As “bets” e a economia real brasileira: por que não dá para tratá-las como entretenimento neutro
- Wellington Barbosa de Souza Júnior

- 20 de out.
- 13 min de leitura
1. Introdução: entre o espetáculo e a estrutura
Nos últimos anos, as casas de apostas online, popularmente conhecidas como bets, passaram de anúncios discretos a uma verdadeira avalanche publicitária. Invadiram transmissões esportivas, programas de entretenimento e redes sociais. Nomes como Betano, Blaze, Parimatch, Esportes da Sorte, Bet365 e Betnacional tornaram-se parte do vocabulário cotidiano do torcedor. Todas elas operam sob o modelo de apostas esportivas de quota fixa, regulamentadas no Brasil pela Lei nº 13.756/2018 e, mais recentemente, pelo Decreto nº 11.901/2024, que estabeleceu parâmetros de tributação, licenciamento e integridade nas apostas. Nesse sistema, o jogador aposta em um evento real — como o resultado de uma partida, o número de escanteios ou o autor de um gol —, com chances e prêmios definidos previamente.
É importante, porém, distinguir as bets do fenômeno popularmente chamado de “jogo do tigrinho”, que se insere em uma categoria distinta: trata-se de um jogo de azar eletrônico (normalmente baseado em roletas ou máquinas caça-níqueis digitais), sem qualquer relação com eventos reais, e, portanto, não enquadrado no regime de apostas esportivas. O “tigrinho”, hospedado em plataformas como “Fortune Tiger” e outras versões de slots, depende exclusivamente da “sorte”, sem qualquer componente de análise ou probabilidade verificável. Sua lógica é idêntica à dos cassinos virtuais — proibidos no Brasil pelo Decreto-Lei nº 9.215/1946 — e, portanto, sem amparo legal para operação ou publicidade.
Essa distinção é crucial:
· As bets esportivas operam sobre eventos concretos, com parâmetros conhecidos e regulação emergente;
· O “jogo do tigrinho”, ao contrário, simula um cassino digital travestido de jogo inofensivo, oferecendo retorno aleatório e instantâneo, o que o coloca na fronteira entre entretenimento e vício.
Ambos, entretanto, se alimentam de um mesmo ecossistema sociológico: o da economia da esperança. Em um país onde o rendimento médio é baixo, a informalidade é alta e o horizonte econômico é incerto, promessas de “ganhos fáceis” encontram terreno fértil. As bets não são a causa dos dilemas históricos do Brasil; elas operam sobre eles. O chamado “Brasil real” permanece marcado por heterogeneidade estrutural, baixa produtividade média, concentração de renda e ciclos de dependência externa — um retrato clássico do estruturalismo latino-americano de Celso Furtado e Raúl Prebisch. Nesse ambiente, a aposta se torna metáfora do cotidiano: uma tentativa de romper a estagnação pela via do acaso.
O slogan “jogue com responsabilidade”, repetido à exaustão nos intervalos esportivos, busca revestir de ética uma prática que, em essência, se alimenta da impulsividade e da promessa ilusória de lucro rápido. Essa mensagem, apresentada como conselho moral, é, na verdade, um mecanismo de autoproteção empresarial, deslocando o problema do vício para o indivíduo e mascarando um mercado que lucra justamente com a perda de quem joga. Assim, as bets não criam o déficit estrutural — apenas o exploram: renda curta, crédito caro, incerteza cotidiana, informalidade e ausência de perspectivas.
No prefácio do livro de Celso Furtado (2005, p. XIV–XV), Plínio de Arruda Sampaio Jr. reforça, assim como seu mestre, que o subdesenvolvimento não é uma etapa anterior ao desenvolvimento, mas um modo de funcionamento econômico estruturalmente dependente, inserido em uma lógica histórica de assimetria entre centro e periferia. Em suas palavras, “as premissas históricas que viabilizam o desenvolvimento não estão presentes nas economias subdesenvolvidas. A situação periférica e a reprodução de grandes assimetrias sociais criam bloqueios à inovação e à difusão do progresso técnico que inviabilizam a endogeneização do movimento de transformação capitalista” (Furtado, 2005, p. XIV).
Assim, o subdesenvolvimento resulta de um processo histórico e político que subordina as economias periféricas à lógica imitativa das economias centrais, o que, segundo o autor, “reproduz continuamente a dependência externa e a assimetria social interna” (Furtado, 2005, p. XV). Nesse cenário, em que a renda é instável e o risco é constante, produtos que prometem alto retorno com baixo investimento tornam-se atratores racionais sob escassez: quando o horizonte é curto, a esperança passa a ter valor de troca. É nesse ambiente que a publicidade das apostas cria uma ficção de meritocracia, em que todo mundo “pode ganhar”, bastando “jogar com responsabilidade”.
A realidade, contudo, revela três fraturas principais:
(a) Informacional – o marketing simplifica probabilidades complexas em narrativas de fácil ganho;
(b) Econômica – o apostador com restrição orçamentária tende à miopia intertemporal, acumulando pequenas perdas;
(c) Simbólica – o futebol, bem cultural popular, é colonizado por marcas de aposta, convertendo pertencimento em funil de aquisição.
O resultado é um extrativismo de pequenas rendas da base da pirâmide — uma transferência regressiva que amplia o consumo imitativo e circula renda sem transformar estrutura. No discurso, o “jogue com responsabilidade” soa como proteção pública; na prática, é uma cláusula de excludente de responsabilidade social.
2. Diagnóstico institucional: o “boom" regulado
Com o crescimento das apostas online no Brasil e sua consolidação como um fenômeno econômico e comunicacional de grande escala, segundo estimativas do Banco Central (2024), o volume de transações mensais via Pix associadas a empresas de apostas alcança entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões, com uma média de R$ 20,8 bilhões apenas em agosto de 2024. Esse valor supera, por larga margem, a arrecadação das loterias da Caixa Econômica Federal no mesmo período (R$ 1,9 bilhão), revelando a dimensão do mercado informal de jogos digitais.

Apesar do peso econômico, o setor ainda opera em uma fase de transição regulatória, denominada de regime cinzento, marcada pela consolidação da Lei nº 14.790/2023 e pelas portarias da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA/MF), que estabeleceram regras sobre publicidade, tributação e integridade. Trata-se da tentativa de incorporar ao ordenamento jurídico um segmento que, desde 2018, vinha se expandindo sob baixa supervisão estatal. O Banco Central também estimou que o montante total de apostas online ultrapassa R$ 30 bilhões mensais, sendo que 85% a 94% desse volume retorna aos jogadores na forma de prêmios — métrica conhecida como payout, indicador que expressa a proporção do valor apostado devolvido ao consumidor. Isso significa que apenas 6% a 15% correspondem à receita operacional bruta (GGR – Gross Gaming Revenue), que representa o efetivo ganho das casas.
A estrutura de alta rotatividade financeira e retorno rápido de capital cria uma falsa aparência de dinamismo econômico, mas, na prática, possui efeito contracionista: parte relevante da renda das famílias é direcionada a apostas, reduzindo o consumo de bens reais e ampliando o endividamento de grupos vulneráveis. A capilaridade do Pix como meio instantâneo de pagamento acentua esse processo.

O estudo do Banco Central identificou cerca de 24 milhões de pessoas físicas realizando ao menos uma transação via Pix para empresas de apostas em 2024. O perfil etário predominante situa-se entre 20 e 30 anos, mas há participação expressiva de indivíduos de faixas superiores, com gasto médio mensal que cresce conforme a idade — R$ 100 entre jovens e mais de R$ 3.000 entre os mais velhos.

O dado mais sensível, destacado na Agência Senado (2025), é que 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família transferiram cerca de R$ 3 bilhões a operadoras de apostas via Pix. Entre esses, 4 milhões eram chefes de família, responsáveis diretos pelo recebimento do benefício, e destinaram R$ 2 bilhões (67% do total) para esse tipo de gasto. A mediana individual de apostas foi de R$ 100 mensais.
Conforme esclareceu Gabriel Galípolo à CPI das bets, o objetivo inicial do levantamento do Banco Central era compreender por que o aumento de renda promovido por programas sociais não se refletia em elevação do consumo ou da poupança. O resultado revelou uma reorientação do gasto popular para o jogo digital, um comportamento com potencial impacto negativo sobre a estabilidade financeira e o bem-estar das famílias.
O volume de apostas, entretanto, não representa valor agregado à economia brasileira. O GGR constitui apenas uma fração do total, e, enquanto a migração para plataformas licenciadas não se completar, parte significativa do fluxo financeiro continuará vazando para o exterior, sobretudo por meio de estruturas tecnológicas internacionais.
Projeções de consultorias e instituições de pesquisa econômica indicam que o mercado de apostas esportivas no Brasil já movimenta entre R$ 60 e R$ 100 bilhões por ano, valor equivalente a aproximadamente 1% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2023. Segundo estudo da Strategy & PwC, parte significativa dessa receita deriva da rápida difusão das plataformas digitais e da integração com sistemas de pagamento instantâneo, como o Pix, o que tem ampliado a base de usuários e o volume de apostas (PwC, 2023). De forma convergente, relatório da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) destaca que o segmento atingiu R$ 98 bilhões em 2023, consolidando-se como um dos mais dinâmicos setores de serviços no país (FIPE, 2024). Embora expressivos, tais números ainda carecem de validação oficial, já que não há série estatística consolidada pelo Banco Central ou pelo IBGE sobre a economia das apostas.
Estudos e reportagens especializadas, como os do Brazil Economy e do Instituto Brasileiro do Jogo Responsável (IBJR), estimam que o setor gere entre 150 mil e 200 mil empregos diretos e indiretos, distribuídos entre atividades de publicidade, tecnologia da informação, meios de pagamento, assessoria jurídica e parcerias esportivas — compondo uma cadeia produtiva em processo de formalização e dependente de regulamentação para sua consolidação institucional (Brazil Economy, 2025; IBJR/LCA, 2024).
O cruzamento entre o estudo técnico do Banco Central (EE nº 119/2024) e os dados trazidos à CPI das bets revela que o fenômeno das apostas on-line não é apenas um problema de moralidade pública ou entretenimento, mas um fenômeno econômico sistêmico que desloca parte da renda disponível das famílias, especialmente das mais pobres, para atividades de retorno incerto e baixa geração de valor agregado nacional. Enquanto o processo regulatório busca consolidar regras de integridade, tributação e rastreabilidade, o desafio central permanece: como equilibrar inovação, arrecadação e proteção social em um mercado que opera na fronteira entre o digital, o financeiro e o comportamental.
3. Impactos macroeconômicos e sociais
O avanço das apostas on-line no Brasil produz efeitos econômicos e sociais complexos, que atravessam consumo, arrecadação, emprego, sistema financeiro, integridade esportiva e saúde pública. O principal impacto imediato recai sobre o consumo das famílias: ao substituir gastos essenciais por apostas recorrentes, especialmente entre grupos de renda baixa, o setor contribui para um deslocamento de renda com alto poder multiplicador para usos especulativos.
Estudos do Banco Central indicam que beneficiários de programas sociais são os mais vulneráveis a esse padrão, com cerca de 5 milhões de famílias do Bolsa Família gastando R$ 3 bilhões em apostas em 2024 (Agência Brasil). Estima-se, ainda, que 1,8 milhão de brasileiros tenham se tornado inadimplentes devido às bets, com perda potencial de R$ 103 bilhões no varejo. (Agência Brasil; CNC). Embora análises da LCA Consultoria sugiram que o gasto médio represente apenas 0,2% a 0,5% do consumo total das famílias (CNN Brasil), o efeito distributivo é concentrado: o dano se manifesta nas camadas vulneráveis, ampliando a desigualdade e contraindo a demanda agregada.
No campo tributário, a regulamentação prevê IRPF de 15% sobre prêmios líquidos e taxas de outorga e licenciamento para operadores. Contudo, a efetividade dessa arrecadação depende da migração ao mercado licenciado e do bloqueio de plataformas irregulares. Sem essas condições, parte expressiva da receita tributável permanece em fluxos paralelos, esvaziando o potencial fiscal e ampliando as distorções entre o mercado formal e o canal cinza.
Em relação ao emprego e serviços, a cadeia de apostas abrange publicidade, tecnologia, pagamentos e assessoria jurídica. Pode gerar postos de trabalho e impulsionar nichos de economia digital, mas há riscos de “enclaves digitais” — quando empresas estrangeiras concentram lucros e tecnologia fora do país. Para que o setor contribua ao desenvolvimento nacional, é necessário estimular conteúdo e infraestrutura local, garantindo que a renda gerada circule internamente.
O sistema financeiro também enfrenta desafios. O Pix, principal meio de apostas, tornou as transações acessíveis e rastreáveis, mas facilita microtransações constantes e endividamento silencioso. O Banco Central avalia restrições ao uso do Pix Crédito nesse contexto (Portal FGV), reconhecendo o risco de sobreendividamento de públicos vulneráveis. A fluidez do sistema de pagamentos, sem mecanismos de triagem ou limites, tende a agravar vulnerabilidades já existentes no mercado de crédito.
No campo da integridade esportiva, o futebol, epicentro das apostas, demanda atenção especial. A International Betting Integrity Association registrou 42 alertas de apostas suspeitas no 3º trimestre de 2024 — dois deles no Brasil (Serviços e Informações do Brasil). A agenda regulatória de 2025–2026 inclui licenciamento obrigatório, bloqueio de sites ilegais e certificações de integridade esportiva. Contudo, apenas a implementação efetiva de práticas de compliance, monitoramento de transações e publicidade ética pode preservar a credibilidade do esporte e evitar escândalos de manipulação.
Por fim, os efeitos sobre a saúde pública e a produtividade são crescentes. O jogo problemático, associado a compulsão e endividamento, reduz a produtividade laboral e aumenta a demanda por atendimento psicológico. A Portaria SPA/MF nº 1.231/2024 institui diretrizes de jogo responsável — como ferramentas de autoexclusão, alertas de uso e transparência publicitária —, mas sua eficácia depende de monitoramento independente e fiscalização contínua. Sem a aplicação adequada das leis, o custo social da ludificação da renda tende a superar os ganhos econômicos de curto prazo.
A seguir, a tabela sintetiza os efeitos esperados da regulamentação e expansão do mercado de apostas on-line no Brasil, distribuídos em seis dimensões socioeconômicas. São apresentados os impactos de curto prazo (2024–2026), de médio prazo (após 2026) e as condições críticas necessárias para a mitigação de riscos e consolidação do setor.

4. Fragilidade na aplicação das Leis e Regulações e riscos econômicos
A partir de 2025, o governo federal, em cooperação com a Anatel e a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda, intensificou o bloqueio de sites de apostas irregulares. Somente no primeiro semestre daquele ano, mais de 15 mil páginas ilegais foram removidas, conforme dados oficiais da agência. A medida, respaldada por acordo de cooperação firmado em dezembro de 2024, busca reduzir o chamado canal cinza — ambiente em que operam plataformas não licenciadas — e proteger consumidores de práticas predatórias. No entanto, especialistas e o próprio Banco Central (BCB) reconhecem que o bloqueio de domínios é apenas um paliativo: a remoção de sites, embora necessária, não enfrenta as causas estruturais dos problemas de integridade, saúde pública e erosão do consumo.
Como já visto ao decorrer do presente artigo, as estimativas do BCB indicam que o volume mensal de apostas pode alcançar R$ 30 bilhões, com forte concentração em públicos de menor renda. O principal público afetado são os beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família e o BPC, que, segundo o estudo do Banco Central, tem direcionado parte do benefício para apostas. Isso revela uma dinâmica preocupante: famílias com alta propensão marginal a consumir, ao deslocarem parte de sua renda para plataformas de apostas, reduzem o giro do varejo, comprimem a demanda de bens essenciais e pressionam o risco de crédito. Trata-se de um processo de contração silenciosa do consumo popular, que não explode como crise, mas corrói gradualmente a base de bem-estar e liquidez doméstica.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) calcula que as apostas esportivas já movimentam cerca de 0,6% do PIB nacional, com efeito contracionista sobre o comércio, ao substituir gastos de consumo por apostas digitais. No plano institucional, o relatório técnico do BCB reforça a necessidade de monitoramento contínuo e de dados mais consistentes para avaliar os efeitos distributivos e macroeconômicos do fenômeno. A regulamentação, embora em avanço, ainda apresenta lacunas de fiscalização, transparência e coordenação interagências — o que limita sua efetividade prática.
No futebol, que se tornou o laboratório simbólico do país, a relação com as casas de apostas expõe uma contradição estrutural. Por um lado, o patrocínio das bets tem sustentado clubes e transmissões; por outro, aumentou a dependência financeira e o risco reputacional das instituições esportivas. Assim, o quadro regulatório brasileiro avança em normatização, mas ainda enfrenta desafios de aplicação. O bloqueio de sites é sintoma de um esforço estatal legítimo, porém insuficiente diante da complexidade de um mercado digital transnacional e de impactos econômicos difusos. A regulação só se tornará efetiva quando associar fiscalização tecnológica, educação financeira e política pública de proteção social, de modo a impedir que o crescimento do setor se converta em uma nova forma de transferência regressiva de renda — onde a esperança passa a operar como ativo financeiro sob escassez.
5. Conclusão: regular é necessário; governar é inadiável
A tese central é inequívoca: sem o fortalecimento da aplicação das leis, a construção de regulações firmes, a transparência de dados e a proteção segmentada de grupos vulneráveis, o saldo macroeconômico das apostas tende a ser negativo — com PIB neutro ou baixo e custo social elevado. O efeito líquido, em cenários de inércia institucional, é o de um crescimento aparente que mascara uma transferência regressiva de renda, corroendo o consumo das famílias e ampliando o endividamento em segmentos de baixa renda. A ausência da aplicação efetiva das leis não apenas fragiliza a arrecadação, mas perpetua o que Celso Furtado chamaria de “dependência funcional”: um modelo que se alimenta da vulnerabilidade estrutural para sustentar fluxos financeiros de curto prazo.
Com a execução íntegra da agenda regulatória, o setor pode, contudo, ser transformado em vetor legítimo de formalização econômica. Ao internalizar receitas, exigir presença jurídica e contábil no país e vincular licenças a contrapartidas sociais e esportivas, o Brasil teria condições de transformar um problema em oportunidade. A arrecadação poderia financiar políticas de educação financeira, tratamento de dependência e programas de integridade esportiva. A formalização de empregos qualificados em áreas de tecnologia, compliance e comunicação ampliaria a base tributária e reduziria a precarização que hoje caracteriza parte do ecossistema digital de apostas.
Ainda assim, o “entretenimento” das bets já se incorporou à contabilidade cotidiana das famílias — é um consumo não essencial que se traveste de lazer, mas opera como gasto recorrente. Por isso, o desafio não é apenas regulamentar o mercado, mas governar as externalidades que ele produz: conter o endividamento, proteger o consumidor, educar financeiramente e assegurar integridade esportiva. O Estado brasileiro, diante de um setor com alta capilaridade e forte apelo emocional, precisa agir com régua, régua e régua — porque, sem equilíbrio entre liberdade econômica e responsabilidade social, o impulso de jogar continuará sendo mais um capítulo da dependência estrutural que molda nossa economia desde o subdesenvolvimento.
Em síntese, o futuro das apostas no Brasil dependerá menos da velocidade da regulamentação e mais da profundidade de sua aplicação. O país tem diante de si um dilema civilizatório: ou constrói um modelo de governança capaz de "transformar o jogo em política pública", ou continuará apostando contra si mesmo.
Referências:
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BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria de Prêmios e Apostas. Portaria SPA/MF nº 1.231, de 2024. Estabelece normas sobre publicidade e promoção comercial no mercado de apostas de quota fixa. Brasília, DF, 2024.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria de Prêmios e Apostas. Portaria SPA/MF nº 817, de 2025. Dispõe sobre diretrizes complementares de integridade e responsabilidade social nas apostas. Brasília, DF, 2025.
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FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.
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BANCO CENTRAL DO BRASIL. Análise técnica sobre o mercado de apostas online no Brasil e o perfil dos apostadores. Estudo Especial nº 119/2024 – Reproduzido da Nota Técnica 513/2024-BCB/SECRE. Brasília: Banco Central do Brasil, set. 2024. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE119_Analise_tecnica_sobre_o_mercado_de_apostas_online_no_Brasil_e_o_perfil_dos_apostadores.pdf. Acesso em: 15 out. 2025.
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