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A Bolívia sob novo comando: desafios econômicos e o papel do Banco Central

Em 19 de outubro de 2025, a Bolívia elegeu Rodrigo Paz como novo presidente da República, com 54% dos votos válidos. Após duas décadas de governos alinhados à esquerda, liderados pelo Movimiento al Socialismo (MAS), a população optou por uma guinada de centro-direita em meio a uma grave crise econômica e fiscal.

O país enfrenta escassez de dólares, inflação em alta, reservas internacionais reduzidas e endividamento crescente. Nesse contexto, o novo governo assume com o desafio de restaurar a confiança na economia e reequilibrar as contas públicas, evitando uma recessão prolongada.


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Este texto  apresenta um panorama geral da economia boliviana no fim de 2025, as principais propostas de Rodrigo Paz, e os desafios que o Banco Central da Bolívia (BCB) enfrentará no novo ciclo político. Filho do ex-presidente Jaime Paz Zamora (1989–1993), Rodrigo Paz nasceu em Santiago de Compostela, Espanha, em 1967, durante o exílio da família em plena ditadura militar boliviana. Voltou ao país aos 15 anos e formou-se no colégio jesuíta San Ignacio, em La Paz. Graduou-se em Relações Internacionais e fez mestrado em Gestão Política pela American University, em Washington D.C. Sua trajetória pública inclui mandatos como deputado (2002), prefeito de Tarija (2015) e senador (2020). Rodrigo faz parte do partido “Democrata Cristão”, segue então uma linha liberal e reformista, que prega um Estado mais enxuto, descentralizado e eficiente.

O ex-presidente Jaime Paz Zamora marcou a política boliviana por seu papel na transição democrática e por buscar equilíbrio entre estabilidade econômica e inclusão social. Seu governo manteve a abertura ao investimento externo, conduziu privatizações parciais e reconheceu oficialmente terras indígenas, antes marginalizadas. De acordo com dados compilados por Marca Valencia (2017) e Mesa Gisbert (2016), a inflação caiu de 16% em 1989 para 12% em 1992, enquanto a dívida externa reduziu-se levemente, e as exportações mantiveram-se estáveis. Apesar do baixo crescimento do PIB (1,6%), o período consolidou avanços institucionais e o reposicionamento da Bolívia no cenário internacional.

Tendo em vista o histórico familiar com o processo de privatização, sua proposta resume-se no lema: “Reduzir o tamanho do Estado é engrandecer a nação.” Para ele, a burocracia excessiva e a centralização dos recursos públicos são os principais entraves ao crescimento.


  • As propostas de governo: o “capitalismo para todos”

A base do programa de Rodrigo Paz é o conceito de “capitalismo para todos”, apresentado como uma tentativa de romper a polarização entre direita e esquerda. Em suas palavras, o modelo busca garantir que todos participem do ciclo produtivo, da geração de renda e do acesso ao crédito, não apenas as elites empresariais.

Segundo a matéria do BBC News Mundo (2025), Paz pretende desregulamentar a economia, reduzir impostos e ampliar o crédito, ao mesmo tempo em que mantém subsídios diferenciados para proteger os mais pobres, evitando o colapso das finanças públicas. Entre as medidas destacam-se:


  1. Formalização da economia informal: cerca de 80% dos bolivianos trabalham fora do sistema fiscal e bancário. Paz promete baratear a formalização, simplificar regulações e permitir que trabalhadores informais legalizem suas atividades sem punições retroativas.

  2. Ampliação do crédito produtivo: microcrédito acessível a pequenos empreendedores e agricultores, com juros subsidiados e garantias simplificadas.

  3. Descentralização orçamentária: maior autonomia financeira para departamentos e províncias, para que os investimentos se adequem às realidades locais.

  4. Revisão de subsídios: substituição de benefícios universais (como aos combustíveis) por auxílios focalizados, visando eficiência e justiça social.

  5. Reforma das estatais: revisão de empresas públicas deficitárias, com possibilidade de reestruturação ou privatização parcial.


  • Fundo de estabilização do dólar e reestruturação cambial

Outro pilar central é a criação de um “fundo de estabilização do dólar”, mecanismo que pretende conter a desvalorização da moeda e recuperar as reservas internacionais do país. A proposta, segundo o El País (2025) e Bloomberg Línea (2025), envolve uma injeção de até US$ 4 bilhões no primeiro ano de governo, com recursos provenientes da maior penetração bancária e da formalização de capitais informais.

Hoje, estima-se que o chamado “colchão bancário”,  dólares que circulam fora do sistema financeiro,  some cerca de US$ 9,6 bilhões, segundo dados citados pela BBC. Ao atrair parte desses recursos para os bancos, o governo espera aumentar liquidez, normalizar o câmbio e recuperar reservas sem depender de empréstimos externos imediatos.

O presidente eleito também rejeita, ao menos por ora, recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), preferindo reorganizar as finanças internas antes de buscar apoio multilateral. Seu plano inclui ainda um sistema de bandas cambiais para suavizar oscilações e restaurar a confiança no Banco Central da Bolívia (BCB).


  • Uma transição de estilo e de mentalidade

A ascensão de Rodrigo Paz representa uma mudança de paradigma após vinte anos de governos de orientação socialista ligados ao Movimento ao Socialismo (MAS). Sua vitória com 54% dos votos em outubro de 2025 reflete o cansaço da população diante da estagnação econômica e da perda de reservas cambiais.

Se bem-sucedido, seu projeto pode recolocar a Bolívia na rota do crescimento, combinando liberalização econômica com responsabilidade social,  um equilíbrio difícil, mas necessário. Em caso contrário, o risco é de descredibilização das instituições financeiras, especialmente do Banco Central, caso as promessas de estabilização e confiança cambial não se concretizem.

O governo Paz herda uma economia em condição crítica. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o PIB boliviano cresceu apenas 2,1% em 2024, sustentado por setores não energéticos, enquanto a produção de gás natural,  base histórica da receita nacional, recuou significativamente (IMF, 2025).

A inflação anual fechou setembro de 2025 em 23% (Globo, 2025), impulsionada pela escassez de dólares, elevação de custos de importação e desvalorização do boliviano. O déficit fiscal, por sua vez, ultrapassou 10% do PIB em 2024 e a previsão é de 13% este ano, e as projeções indicam que pode chegar a 13% em 2025 se não houver cortes de gastos (Americas Quarterly, 2025).

As reservas internacionais encolheram de US$ 13,4 bilhões (há uma década) para US$ 103 milhões em setembro de 2025. Além disso, com 95% de dívida pública em relação ao PIB, dado do relatório de 30 de Maio, a Bolívia tem pouco espaço fiscal. (Americas Quarterly, 2025).

O mercado cambial é o ponto mais sensível. A taxa oficial permanece em torno de 6,96 bolivianos por dólar, mas no mercado paralelo já se aproxima de 14 bolivianos por dólar, sinalizando descompasso entre a política oficial e a realidade econômica (Americas Quarterly, 2025).

O Banco Central da Bolívia (BCB) torna-se peça-chave para o sucesso do novo governo. Com reservas mínimas e credibilidade fragilizada, a autoridade monetária precisa restabelecer a confiança interna e externa. Três grandes desafios se destacam:

  1. Recuperar reservas internacionais – exigirá atrair investimento externo, renegociar dívidas e restaurar a transparência nas operações de ouro e câmbio.

  2. Controlar a inflação – será necessário conter a emissão monetária usada para financiar o déficit público e adotar uma política de juros mais realista.

  3. Normalizar o mercado cambial – o BCB deve decidir se mantém o câmbio fixo ou liberaliza gradualmente, reduzindo a diferença entre o dólar oficial e o paralelo.


O novo governo inicia sob o peso de expectativas e desafios. A Bolívia chega a 2025 com crescimento baixo, inflação em dois dígitos, reservas exauridas e mercado cambial distorcido. O sucesso de Rodrigo Paz dependerá da coordenação entre política fiscal e monetária e da capacidade de o Banco Central reconquistar credibilidade. Se os ajustes forem bem conduzidos,  combinando disciplina orçamentária, incentivo à formalização e realismo cambial,  há potencial para recuperação e retomada do investimento.

Contudo, qualquer erro na transição pode agravar a crise e levar a uma perda definitiva de confiança, com repercussões severas sobre o sistema financeiro e o poder de compra da população. O próximo ano será, portanto, um teste decisivo para o futuro econômico e institucional da Bolívia.


Referências:

MARCA VALENCIA, Benigno. Caminos para la transición Boliviana (1985–2005). La Paz: Plural Editores, 2017.


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