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São Paulo sustenta o Nordeste? Marcas de um desenvolvimento excludente

Todo nordestino que vai estudar, mesmo que de maneira breve, a economia nacional já se deparou com a seguinte afirmação: “São Paulo sustenta o Nordeste”. Essa frase se refere ao atual estado deficitário de alguns Estados da região e a grande massa de impostos arrecadados pelos Paulistas e, a partir dessa conclusão, nasce um sentimento que desperta um preconceito irracional. Mas fica o questionamento: de onde veio essa ideia e será que ela é verdadeira em algum grau? Através de dados levantados em artigos e documentos, poderemos construir uma constatação coerente de que São Paulo, passa longe “sustentar” a região nordestina no que se refere ao seu orçamento, já que, a região no sul do país, passou muito tempo sendo o centro de um processo que absorveu mão de obra e oportunidades do Nordeste, em concomitante, capturando benefícios financeiros, tecnológicos e institucionais que consolidaram sua posição vanguardista na economia nacional. Esse texto não tem como objetivo reduzir a complexidade histórica da disparidade regional brasileira a um único agente ou a uma simples causa, mas sim, mostrar como os instrumentos de políticas, arranjos federativos e investimentos se articulam para gerar esse desajuste no desenvolvimento, ocasionando em profundas desigualdades, que transformou o crescimento econômico em uma fonte de exclusão.


Fonte: Google Imagens – Foto do Impostômetro.
Fonte: Google Imagens – Foto do Impostômetro.

Desde o início do século XX, o Estado de São Paulo foi estruturado territorialmente para gerar economias de aglomeração por meio da construção de rodovias, da infraestrutura e da formação de polos industriais, além do desenvolvimento de um mercado interno que atraía capital privado. Segundo Jeferson Cristiano Tavares (2018, p. 350), já em 1940, a capital paulista detinha 15% dos empregos industriais do país e metade da produção industrial nacional. Essa centralização industrial não foi um acidente, mas sim resultado de decisões público-privadas, tanto para estruturar a capital quanto para levar o desenvolvimento ao interior do Estado. Esse plano ficou conhecido como “Interiorização” e facilitou que essas regiões se tornassem muito atrativas para a instalação de cadeias industriais complexas.


No período pós-guerra e concomitante ao plano de metas (1956 - 1961), as medidas adotadas pelo Estado voltadas para a modernização e desenvolvimento da indústria nacional de setores estratégicos, acabou privilegiando a região sudeste. 

 

O Plano de Metas, plano de desenvolvimento da economia brasileira implementado por Juscelino Kubitschek, foi fundamental para a mudança estrutural produtiva do Brasil no final dos anos 1950, aumentando a participação relativa da indústria na economia e encadeando o desenvolvimento industrial para setores mais complexos e intensivos em tecnologia. (Marson (2012, p. 663)

 

Se for olhar mais atentamente para o plano de metas, ele foi determinante para a indústria de máquinas e equipamentos, através de financiamento vinculado a projetos industriais, metas setoriais, e instrumentos tarifários e cambiais que foram cruciais para criação de um ambiente favorável à instalação de indústria com alto grau de tecnologia. Entretanto, conforme explica Marson (2018), essas medidas buscavam favorecer fortemente os atores que tinham acesso a capital externo e estrutura adequada, e beneficiou ramos como, transporte e material elétrico, produtos químicos, setores esses que se localizavam preponderantemente em São Paulo.  Ações como a instrução 70 Sumoc (1953) e a Instrução 113 da Sumoc (1955), e também medidas tarifárias e de câmbio, foram responsáveis por estimular o investimento, entrada de capital estrangeiro e concentração geográfica da industrialização. Como consequência dessas medidas, em 1960, 88% da indústria de máquinas e ferramentas estavam concentradas em São Paulo (MARSON, 2018). O que demonstra uma tendência de concentração industrial, que dificilmente geraria benefícios para outras regiões. 

 

Será obrigatoriamente vendido ao Banco do Brasil. ' S.A., ou a Banco autorizado, as taxas fixadas pelo Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito e resultantes de paridade declarada ao Fundo Monetário Internacional, o câmbio proveniente da exportação […]. (Instrução 70 da Sumoc, 1953)

 

A Carteira de Comércio Exterior (CACEX) poderá emitir licenças de importação sem cobertura cambial", que correspondem a investimentos estrangeiros no País para conjuntos de equipamentos ou, em casos excepcionais, para equipamentos destinados à complementação ou aperfeiçoamento dos conjuntos já existentes; quando o Diretor da Carteira dispuser de suficientes elementos de convicção de que não será realizado pagamento em divisas correspondente ao valor dessas importações. (Instrução 113 da Sumoc, 1955)

 

A dinâmica dos equipamentos públicos e do capital estrangeiro gerou um ciclo em que o investimento público desempenhava um papel complementar ao capital externo, com o objetivo de impulsionar as áreas já favorecidas. As políticas voltadas para o desenvolvimento, se não possuírem um mecanismo de regionalização e distribuição, podem facilmente reforçar áreas que já detêm maior infraestrutura, mão de obra e acesso a crédito. Conclui-se, portanto, que o resultado do Plano de Metas foi auxiliar a ascensão de uma área geográfica “vencedora”, e não promover a distribuição do desenvolvimento pelo país.


De acordo com Rattner (1964, p. 138) a migração e a urbanização entre 1950 e 1960, em São Paulo, passaram por um crescimento. A participação do estado no percentual da população nacional foi de 27,2% para 42,0%, e a população urbana cresceu de 51,6% para 69,6%. Em paralelo a isso, os estados nordestinos também passaram por esse processo, mas com índices bem menores. Na região Nordeste, a urbanização ocorreu por fatores que não agregaram à produção (Rattner, 1964, p. 140). Dentre os fatores que provocaram o êxodo rural, o mais determinante, e que a diferenciou das outras regiões, foi a seca, que impulsionou o deslocamento para áreas urbanas, aumentando a população. Esse aumento, no entanto, não foi acompanhado pela criação de empregos ou indústrias na região. Os que optaram por sair do Nordeste, em sua maioria, não foram atraídos por oportunidades, mas pela necessidade de fugir das severas condições impostas pela seca no campo. Como a estrutura do mercado de trabalho não era capaz de absorver toda essa mão de obra, isso resultou no aumento da informalidade e perpetuação da pobreza. Esses fatos tornam explícito que, apesar do crescimento urbano nordestino, sua participação na formação da renda nacional e no percentual de empregos permaneceu baixa, o que ocasionou dependência do assistencialismo e limitação do autodesenvolvimento da região (Rattner, 1964, p. 140-142).  


A estrutura da política econômica desempenhou um papel importante na transferência de renda líquida para os centros industriais, com a canalização das divisas fortes, originadas das exportações de produtos do setor primário no Nordeste, para financiar o investimento e importações que buscavam desenvolver centros de transformação e industrialização. Subsídios e favores cambiais, principalmente entre 1953 e 1957, que segundo Marson (2012, p. 665, 669), favoreceram a importação de equipamentos industriais para regiões em situação de desenvolvimento industrial, concentrando ainda mais o capital em determinadas áreas.


Essas políticas, na prática, reduziram a capacidade fiscal e o espaço para acumulação na região Nordeste, captando recursos que poderiam vir a ser utilizados para o desenvolvimento industrial da região. A base tributária, juntamente com o pacto federativo, ambos centrados no comércio exterior, também contribuiu para a manutenção dessa assimetria, e Estados com relevância internacional, como São Paulo e Minas Gerais, conseguiram obter ainda mais vantagens e influência no âmbito federal, ao mesmo tempo que Estados menos relevantes no exterior se viam cada vez mais limitados por uma estrutura que reforçava a desigualdade estrutural.


A educação é um importante fio condutor do desenvolvimento, e o Nordeste, historicamente, apresentou baixos índices de matrículas escolares em relação ao Sul, o que se tornou fator limitante para a absorção de indústrias tecnológicas na região. A estatística mostra que a participação da população rural nordestina na formação da renda nacional foi pequena e que os péssimos indicadores de educação criaram um perfil de mão de obra sem qualificação para as modernas indústrias.


Fonte dos dados brutos: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1958 e 1962.
Fonte dos dados brutos: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1958 e 1962.

Ainda que houvesse políticas que visassem introduzir o investimento, a capacidade de criar um mercado de trabalho e produtividade local estava comprometida, ocasionado em migração de trabalhadores pouco qualificados indo para informalidade ou em empregos de baixa produtividade, em situação subsistência nas metrópoles. Com o capital humano limitado houve a perpetuação de um ciclo, onde a menor capacidade produtiva, levava a uma menor atração de investimento de valor agregado que levava a manutenção da dependência econômica. 


É importante ressaltar que, ainda que houvesse medidas que buscassem levar a indústria brasileira para novas regiões nas décadas anteriores, através de medidas federais e estaduais, muitas vezes acabaram resultando em ainda mais contração industrial. No caso do Estado de São Paulo, programas como PDU (Política de Desenvolvimento Urbano), PDDI (Política de Desenvolvimento e Desconcentração Industrial) e planejamentos regionais ocasionaram em uma forte interiorização da indústria no território, alcançando diversas cidades e criando o que viria a ser chamado de “vetores produtivos”, porém, essas medidas foram ineficazes no objetivo de corrigir as desigualdades nacionais, conseguindo apenas destacar ainda mais os paulistas. Para Abdal (2017, p. 107-108), entre 1999 e 2010 não houve um processo robusto de desconcentração estrutural da indústria brasileira, mantendo-se a concentração em áreas tradicionais do Sudeste Surgiram novos setores da indústria, que geralmente se localizavam em polos industriais já consolidados, com exceções da indústria extrativa ou de baixa tecnologia. Tudo isso demonstra uma resistência estrutural das indústrias em se transformar e alcançar novas regiões do país.


Uma estrutura tributária historicamente ligada ao comércio exterior e à União como centro de todas operações e regulações, ocasionou na dependência dos Estados com menor poder fiscal nas negociações e formulação de políticas, tornando-os incapazes de desenvolver políticas no longo prazo para o desenvolvimento regional. Faltaram iniciativas eficazes para correções regionais em momentos decisivos, como durante os regimes autoritários ou nas formulações das políticas econômicas. Toda a estruturação do pacto federativo, que fazia com que os grandes Estados tivessem mais influência, acarretou por facilitar a reprodução do modelo que beneficiou os centros industriais já desenvolvidos. Pode-se concluir que o projeto institucional não foi neutro, pois visou beneficiar determinados agentes em detrimento de outros, promovendo o desenvolvimento somente para alguns entes estaduais.


Cabe dizer que a região Nordeste não foi homogênea ou passiva, já que em determinadas localizações, mesmo com as adversidades impostas pelos entes federais, houve desenvolvimento em menor escala em polos e nichos específicos, demonstrando capacidade de inovação. Mesmo com esses curtos lampejos de desenvolvimento, a situação da região que foi consolidada durante o século XX e permaneceu no início do século XXI não pode alcançar o status de “Desenvolvida". Agregando as evidências sobre a parcialidade do desenvolvimento, temos: i) Políticas nacionais de industrialização voltadas para formação acelerada de setores complexos; ii) Financiamento público para projetos de grande escala; iii) Entrada de capital estrangeiro orientada por incentivos; iv) Concentração de infraestrutura e a escassa articulação federativa de redistribuição regional, contribuíram para construção de uma conjuntura que favoreceu os paulistas em detrimento do Nordeste. Nessa dinâmica de funcionamento, o Estado de São Paulo não “sustentou” o Nordeste, pelo contrário, ao receber os benefícios para industrialização e institucionalizar suas vantagens através do seu polígono econômico, o território tornou-se ator principal no projeto de acumulação de capital, escanteando a região nordestina.


Alcançar clareza sobre esses fatos é de suma importância, tanto para entender o passado, mas também para desenvolver políticas públicas visando corrigir os erros de um “desenvolvimento desajustado”. Agora, existem algumas possíveis soluções para corrigir essa captura de recursos: i) Promover uma reforma no pacto federativo, visando incentivar o investimento em regiões menos desenvolvidas; ii) Promover uma educação acessível e de alta qualidade, para melhorar o nível de capital humano em regiões subdesenvolvidas; iii) Criação de uma infraestrutura que promova a logística e diminua o custo do investidor; iv) Desenvolvimento de mecanismos de financiamento de médio e longo prazo, que visem combater a dependência das decisões na esferas federais. Sem ações que visem combater essa “concentração”, ela tende a se perpetuar, já que a estrutura nacional econômica, inclinasse para manutenção da economia de aglomeração, que naturalmente favorece territórios já favorecidos.


A conclusão da leitura desses dados é de que a afirmação “São Paulo sustenta o Nordeste” é enganosa e muitas vezes embutida de preconceitos que em nenhum momento se escoram em fatos. Ao dizer que “sustenta”, o indivíduo se refere ao Estado de São Paulo ter sido a causa primária do bem-estar do Nordeste, está no mínimo com uma visão distorcida da realidade, já que, historicamente, foi o contrário: os paulistas se colocaram como principal captador de recursos, investimentos, tecnologias e capital humano do país, enquanto, paralelamente a isso, o Nordeste passava por um momento de esvaziamento, descontinuidade produtiva, dependência fiscal e subdesenvolvimento social. Porém, não seria correto colocar a culpa exclusivamente nos paulistas, já que isso é o resultado de um arranjo histórico que, através de políticas públicas, mercado, capital externo e instituições federativas, construiu uma economia nacional fortemente desigual. Admitir essa realidade é primordial para que, em algum momento no futuro, possamos superar as más decisões do passado.


Um ponto muito importante que vale a pena ressaltar é que, após 1930, o coronelismo passou a ser um fenômeno recorrente no Nordeste, pois o projeto de modernização nacional não destruiu suas bases na região, acentuando seu caráter periférico (Carvalho, 1987, p. 195). Nesse cenário, de acordo com Romano (2025, p. 2), grandes famílias se apropriaram do poder, especialmente nas áreas mais pobres, e passaram a ratear a máquina pública entre seus representantes.


Atualmente, o coronelismo moderno se identifica com a formação de clãs familiares, não sendo incomum que um político em alto cargo hierárquico, como governador ou prefeito, suceda seu pai, que por sua vez sucedeu seu avô. Conforme aponta Romano (2025, p. 2), isso é evidenciado pelo fato de que, no Nordeste, seis em cada dez parlamentares eleitos possuem algum parentesco com outras figuras do mundo político, transformando governos em "negócios de família".


Utilizando-se da fragilidade da população, esses grupos buscam oferecer o mínimo para o povo, como entretenimento popular a custos elevados, sempre visando à reeleição ou à eleição de um sucessor. A prática do clientelismo, que consiste na troca de favores por votos, é uma ferramenta comum para beneficiar aliados em detrimento do coletivo (Romano, 2025, p. 4).


Tal fenômeno pode ser interpretado como um “coronelismo contemporâneo” que, infelizmente, ainda é uma realidade no Brasil, tendo o Nordeste como um de seus exemplos mais expressivos (Carvalho, 1987, p. 199; Romano, 2025, p. 2). Seus atores, em muitos momentos, utilizam ações do poder público para privilegiar indivíduos em detrimento do coletivo, que muitas vezes prometeram defender e que os elegeu, perpetuando o atraso no desenvolvimento. No modelo clássico, como descreve Carvalho (1987, p. 195), o poder dos coronéis se traduzia em uma dependência pessoal do patrão, que não era apenas econômica, mas também política e ideológica, uma dinâmica que se adapta aos novos tempos.


Por fim, essa leitura deixa uma lição para os formuladores de políticas, movimentos sociais e pesquisadores: para o enfrentamento das desigualdades regionais é necessário muito mais que apenas discurso e meros incentivos, e sim instrumentos para a reestruturação das relações do poder econômico, visando criar um ambiente de acumulação em todo o território, não apenas em áreas favorecidas. Seria ideal também repensar o pacto federativo e toda a engenharia institucional, de modo que as transferências se tornem investimentos produtivos e que os benefícios sejam condicionados a resultados de desenvolvimento regional.

Sem essas medidas, essa estrutura desigual tende a se perpetuar, colocando São Paulo como motor de desenvolvimento econômico do país e como um importante ator que impede a ascensão de um Nordeste autônomo e desenvolvido. Essa persistência é a marca mais cruel de um desenvolvimento excludente.


REFERÊNCIAS



ABDAL, A. Desenvolvimento regional no Brasil contemporâneo. São Paulo: [s.n.], 2017.

BRASIL. Superintendência da Moeda e do Crédito. Instrução n. 70, de 9 de outubro de 1953.

BRASIL. Superintendência da Moeda e do Crédito. Instrução n. 113, de 17 de janeiro de 1955. 

CARVALHO, Rejane Vasconcelos Accioly. Coronelismo e neocoronelismo: eternização do quadro de análise política do Nordeste? Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v.3, n.3, p.193–206, jul./dez. 1987.

LOPREATO, Francisco Luiz C. Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios. Economia e Sociedade, Campinas, v. 31, n. 1 (74), p. 1–41, jan.–abr. 2022.  

MARSON, M. D. O Plano de Metas e a estrutura empresarial e financeira da indústria de máquinas e equipamentos no Brasil: Dedini e Romi, 1955–1961. Campinas: UNICAMP, 2018.

RATTNER, H. Contrastes regionais no desenvolvimento econômico brasileiro. São Paulo: Pioneira, 1964.

ROMANO, Rogério Tadeu. O novo coronelismo. Jusbrasil, 2025. 

TAVARES, J. C. Planejamento regional do estado de São Paulo. São Paulo: [s.n.], 2018.

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